segunda-feira, 7 de julho de 2008

Nudge no Brasil

Um dos assuntos que rendeu debates entre os estagiários do Cato e os Koch fellows nas últimas semanas foi o livro “Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, and Happiness”, de Richard Thaler e Cass Sunstain. Segundo os autores:



“Por nudge queremos dizer qualquer coisa que influencie nossas escolhas. Uma
cafeteria de uma escola pode tentar ‘empurrar’ às crianças uma boa dieta,
colocando comidas saudáveis à frente. Acreditamos que é tempo das instituições,
inclusive o governo, tornarem-se mais amigáveis por meio da adoção da ciência da
escolha, de modo a tornar a vida mais fácil para as pessoas e gentilmente
empurrá-las na direção que fará suas vidas melhores.”


Recentemente o assunto voltou à baila quando Barak Obama prestou declarações que fizeram concluir ser ele um grande fã de nudging, ou, como dizem, adepto das políticas concebidas pelos “arquitetos da escolha”.

Vamos por partes. Nudge significa dar um empurrãozinho, uma cutucada; ou, ainda melhor, como qualquer pessoa que usa MSN sabe, dar uma sacudidela naquele ser inerte que demora duas horas para responder mensagens.

Pois bem, no livro, os autores argumentam que o tal nudge pode trazer grandes benefícios sociais por meio do rearranjo dos critérios de escolhas individuais, sem que isso caracterize autoritarismo – daí o motivo dessa espécie de política ser chamada de “paternalismo libertário”.

O nudge se apóia no princípio da inércia: Se algo já está lá, a tendência é que as pessoas não se moverão para mudar, ainda que a mudança possa trazer maior benefício. Baseado nisso, ele dá exemplos de rearranjos como os descritos acima, isto é, colocar frutas ao alcance das crianças nas lanchonetes de escolas ou readequar as regras para que a opção padrão seja aquela almejada pelo governo, de modo que somente para alterá-la é que os indivíduos terão que se movimentar.

Neste sentido, segundo os autores, uma das decisões que podem ser avançadas por meio de uma simples mudança nas regras, gerando grande ganho social, é a doação de órgãos. Hoje, nos EUA, a pessoa é considerada não doadora até que a família decida o contrário. Inverter esta ordem e tornar “default” a doação, permitindo que as pessoas optem por ser não-doadoras, teoricamente eliminaria o problema da escassez de órgãos.

A bem da verdade, termos como ‘default’ e ‘ciência da escolha’ são nudging em si, solapando a questão jurídica por trás do assunto e tornando fácil sua defesa política. Afinal de contas, toda essa discussão deve nos recordar uma situação que já vivemos no Brasil, anos atrás. Nós, sempre avançados nas questões mais vanguardistas da engenharia social, já usamos e abandonamos o nudge na doação de órgãos - Alguém se lembra?

Em 1998 entrou em vigor a lei nº 9.434, inaugurando o que em linguagem jurídica ficou conhecida como ‘consentimento presumido fraco’, que, diferenciando-se do ‘consentimento presumido forte’ (doação compulsória, adotada em alguns países), previa que em regra todos os brasileiros maiores de 18 seriam considerados doadores de órgãos e tecidos, devendo explicitamente fazer constar na carteira de identidade ou de motorista aquele que assim não desejasse.

Um decreto posterior chegou inclusive a estabelecer prazo para que aqueles que não quisessem ser doadores alterassem seus documentos - isso tudo, a bem dizer, num país em que milhões de pessoas sequer tem um registro civil. O resultado, além de muita discussão jurídica – graças ao bom Deus, que nos enviou os bacharéis – foi que os brasileiros correram em massa para carimbar o “não doador de órgãos e tecidos” na identidade. No Rio Grande do Sul, por exemplo, 80% da população fez essa opção. O feedback foi tão inesperadamente negativo que, pouco tempo depois, revogou-se a lei por medida provisória, retornando-se à doação consentida.

Será então o Brasil uma falha na teoria do Thaler e Sunstain? Bem, talvez os autores tenham falhado apenas em prever que a decisão de doar órgãos certamente envolve custos bem mais elevados, não superáveis por mera inércia, donde se segue que o nudge poderia ainda ser uma boa solução para outras coisas, como fazer crianças adotarem uma dieta mais saudável nas escolas. Mas, para mim, o problema fundamental do nudge não é se ele pode ou não efetivamente funcionar, nem se ele é mais ou menos gentil com as pessoas em seu “empurrãozinho”. Meu problema é com a “direção que fará a vida delas melhor”. Quem é que pode saber uma coisa dessa? Observando os americanos por aqui se estusiasmarem com essas modas, fico feliz que o Brasileiro seja um povo desconfiado. Somos desconfiados do vizinho, mas também somos desconfiados do governo. E essa é uma grande vantagem.

Um comentário:

Danilo Rossi disse...

Não posso conceber, por princípio, qualquer direcionamento. Não em uma teoria de free choice. Direcionamentos empurram as massas inertes, para o lado bom ou ruim, ou melhor, para o lado ao qual se bem queira.
E, nesse contexto, de direcionamento de massas inertes me fogem todos os princípios libertários.
Por exceção, como de costume, em Terras Tupiniquins, serviu para colocar em movimento a massa que era inernte, de encontro àquilo que ela considerava a sua escolha livre.