segunda-feira, 30 de junho de 2008

No fantástico mundo dos Burocratas, quanto maior é o Gasto, maior é a Eficiência

Todo ano é a mesma coisa, segundo me disseram. Especialmente se for ano eleitoral. Neste me ligaram de Brasília, fins de maio, com o sotaque cantado que tornou-se comum por lá:

- Sra. Luciana? Aqui é o Joaquim, do Ministério. Olha, nós estamos esperando vocês enviarem seus projetos para os presídios. Temos um milhão aqui para vocês. Mas o prazo tá curtinho, que a gente tem que fechar os convênios e repassar os recursos antes de junho. É ano eleitoral.

- Mas, - respondo - eu já enviei um projeto neste sentido, sr. Joaquim. Foi no início do ano. Inclusive ele até já foi aprovado. Estamos só esperando os recursos chegarem para executar.

- Como? Mandou pra quem?

- Foi para outro Ministério, que tinha um edital no mesmo sentido.

- Mas nao é possivel! Quanto foi que eles te deram?

- Nosso projeto é de 500 mil.

- Aí! Tá vendo? Se tivesse fechado conosco seria um milhão…

- Mas eu não tenho como gastar um milhão. Meu projeto custa 500 mil.

- Tudo bem, senhora Luciana. Mas, no próximo ano, mande um projeto aí pra gente!

- Farei o possível.


Não, caro leitor, não estou engajada em atividades ilegais ou corruptas. Esse breve relato é uma descrição de uma cena bastante corriqueira no cenário burocrático brasileiro. Trata-se de um caso clássico enfrentado por qualquer setor de projetos e convênios de órgãos estaduais ou municipais que capte recursos de Brasilia para o desenvolvimento de ações.

Para quem não conhece esta sistemática, o que ocorre e o seguinte: De modo a descentralizar seus recursos, a União costuma distribuir entre seus ministérios ações específicas para realização de convênios com estados, municipios e organizacoes sociais. A partir daí, os ministérios elaboram e divulgam editais para apresentação, pelos futuros parceiros, de propostas de projetos que possam ser financiados via convênio federal. Os demais entes federados (e, por vezes, orgazinações sociais) então elaboram seus projetos e os remetem aos ministérios, para aprovação. Firmado o convênio, o ministério repassa os recursos, os entes repassam as contrapartidas e colocam a mão na massa para executar as metas previstas.

O problema é que nem sempre os ministérios recebem muitas propostas. Ou, ainda que rebecebam, acontece também de segurarem recursos até o momento em que percebem que ou gastam logo ou terão que devolver, o que é um grande indicador de incompetência. Sim, senhores, não gastar recursos que estão no orçamento é sinônimo de uma grande incompetência. Ninguém quer devolver dinheiro paro o tesouro, isso porque um dos principais indicadores de desempenho que se utiliza no estado é o percentual de execução orcamentária. Daí é que, chegando época de eleições, quando repasses não podem mais ser feitos, os ministérios, ainda cheios de dinheiro para gastar, te ligam desesperados oferecendo um milhão.


De modo geral, como forma de medir a eficiência do gasto e das ações públicas, o governo adota o critério de porcentagem de execução, o que significa o seguinte: se o órgão executa (isto é, gasta) todo o orçamento relativo a determinada ação de sua competência, entregando o produto desta ação, este orgão obteve 100% de execução, e possivelmente será premiado com um maior orçamento em outros exercícios financeiros; em outras palavras, dado os limites orcamentários e a meta a ser atingida, quanto mais se gasta, mais eficiente e premiado é o orgão.


Tal critério se baseia na presunção de que todas as ações planejadas são eficientes per se e que a quantidade alocada para as ações também serão eficientemente calculada pelos diversos atores envolvidos na elaboração dos planos. Neste sentido, pode-se afirmar que algumas distorções de incentivos são geradas. Isso porque aqueles que definitivamente determinam o orçamento nunca são, de fato, aqueles que o executam. Se em determinado orgão o orçamento for maior do que o necessário para o cumprimento de uma ação, o burocrata executor terá todo o incentivo para gastar ineficientemente. Afinal, se houver sobras de recursos, ele poderá vir a ser penalizado. E se, de fato, o burocrata consegue executar todo o seu orçamento, no próximo ano, mantidas as mesmas ações, ele terá que gastar ainda mais ineficientemente.


Nesta particular esfera de políticas públicas, os incentivos para a ineficiência são altos. Quando o edital estipula um valor pré fixado para as propostas, este valor é normalmente alto. Daí acontecem resultados não planejados. Por um lado, elimina-se do jogo aqueles projetos mais modestos, voltados para pequenas comunidades. Neste sentido, governos, municípios e organizações devem adequar seus projetos a um orçamento superestimado. O que era um projeto consiso passa a ser um projeto prolixo, cheio de atividades e compras desnecessárias, embutidos para garantir o captação.


Por outro lado, mesmo que não exista valor pré-fixado, a entidade captadora também deve ter um alto índice de execução. Hipoteticamente, se um projeto x previa um orcamento de 100 mil reais para a compra de computadores e, tendo recebido os recursos federais, e iniciado o processo licitatório, o executor venha a conseguir reduções de custos pelo fornecedor para um valor de 60 mil, a sobra de 40 mil será vista como ineficiência, e é possível que em um próximo projeto este ente seja preterido.

Tudo isso pode parecer bastante absurdo, mas, em verdade, trata-se de uma política de incentivos que tem gerado efeitos contrários aos pretendidos. O percentual de execução foi pensando como um modo de impelir os burocratas a fazerem orçamentos cada vez mais acurados, sem “gorduras”. O que acontece, na prática, é que as “gorduras” são utilizadas para compras absolutamente desnecessárias. Primeiro, porque é melhor gastar do que devolver ao tesouro, pois há sempre o risco de ser penalizado em um próximo edital, e não obter recursos. Segundo, e que constitui elemento chave para explicar a falha deste mecanismo, é que ter um orçamento grande é visto com melhor olhos que ter um pequeno orçamento – quanto mais zeros, maior o status do projeto no mundo das secretárias e demais orgãos governamentais. Um burocrata que consegue captar um milhão será melhor visto pelos seus superiores imediatos que o que capta 500 mil. Por este motivo o incentivo para “conter ” o orçamento é menor que o de abocanhar um bom orçamento e gastar inutilmente. Assim, a despeito da descentralização, o governo sistematicamente gasta mais, e gasta mal.

Eu, por exemplo, que quero ser vista como burocrata exemplar, vou pedir meu milhão ano que vem. Alguém tem idéia de como gastar?

segunda-feira, 23 de junho de 2008

teste

1, 2, 3... SOM!